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Repensando o folclore no Brasil: origens e instituições

Com a chegada de agosto são comuns as comemorações sobre o folclore, sobretudo no contexto escolar. Quem não se lembra de ouvir lendas como a do saci, ou de aprender sobre as parlendas, as cantigas e os provérbios? Isso tudo faz, sim, parte de nossa cultura e folclore, mas será que ele só existe no mês de agosto? Será que folclore é só para crianças, para ser aprendido na escola?  

Nos textos deste mês queremos promover uma reflexão para ampliar nossos horizontes sobre o folclore brasileiro. Começaremos com uma apresentação sobre suas origens e sobre uma importante instituição brasileira que trata dessa temática. Acompanhe a gente nessa jornada.

 

Folclore, um campo de estudos

 

"(...) mais importante do que saber concretamente o que é ou não é folclore é entender que folclore é, antes de qualquer coisa, um campo de estudos. Isso quer dizer que a noção de folclore não está dada na realidade das coisas. Ela é construída historicamente e, portanto, a compreensão do que é ou não folclore varia ao longo do tempo. Para se ter uma ideia, aqui no Brasil, no começo do século, os estudos de folclore incidiam basicamente sobre a literatura oral, depois veio o interesse pela música, e mais tarde ainda, nos meados do século, o campo se amplia com a abordagem dos folguedos populares."

CAVALCANTI, Maria Laura. "Entendendo o folclore" In.: Cultura Popular e Educação. Organização René Marc da Costa Silva. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação a Distância, 2008. (Salto para o Futuro)

 

Iniciamos nossa conversa com essa citação da antropóloga Maria Laura Cavalcanti para mostrar que nosso propósito não  é trazer uma definição pronta do que é ou não folclore, mas de apontar caminhos para conhecê-lo e  pensar sobre ele para além das lendas tão conhecidas.

Como muita gente sabe, a palavra "folclore" (do inglês folk-lore) foi criada pelo inglês William John Thoms, em 1846, e significa "saber do povo". Ela surge no contexto do Romantismo europeu, movimento de caráter nacionalista que procurava resgatar os traços primitivos e autênticos da cultura de uma nação, sua identidade. De lá para cá, muita coisa aconteceu, por isso faremos um pequeno percurso pela história do folclore no Brasil. Vem com a gente!

 

Um pouco de história - o folclore no Brasil


No Brasil, os primeiros pesquisadores do assunto foram Silvio Romero (1851-1914), Amadeu Amaral (1875-1929) e Mario de Andrade (1893-1945). Já na década de 1950, intensificam-se as discussões sobre o folclore entre os intelectuais, que defendem o caráter científico desse campo de estudos. Entre esses intelectuais estão nomes como Câmara Cascudo, Cecília Meireles, Gilberto Freire, Edison Carneiro.

Toda essa movimentação em torno do assunto ficaria conhecida como Movimento Folclórico, o qual foi impulsionado pela criação da Comissão Nacional do Folclore, em 1947, por recomendação da UNESCO. Era o período do pós-guerra e acreditava-se que os estudos de folclore poderiam contribuir para incentivar o respeito às diferenças e a compreensão entre as nações.

O auge do Movimento Folclórico se dá com a criação, em 1958, da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, que mais tarde se transformaria no atual Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP), sediado na cidade do Rio de Janeiro. Duas grandes conquistas da Campanha foram a inauguração da Biblioteca Amadeu Amaral (1961) e do Museu do Folclore Edison Carneiro (1968) que integram  o CNFCP e tanto contribuem para a preservação, pesquisa e difusão de estudos sobre o nosso folclore. No site da instituição é possível conhecer mais sobre o Centro, seus acervos e os projetos que desenvolve, além de ter acesso a materiais como os fascículos da Revista Brasileira de Folclore editada entre 1961 e 1976 e hoje disponível online. 


O Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular    

         

Criado em 1958, com o nome de Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, o Centro surgiu como resposta a uma recomendação da UNESCO, no período do pós 2ª Guerra e visava a valorização das identidades nacionais como forma de promover a paz pelo respeito às diferenças.

Atualmente, o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP), localizado no Rio de Janeiro,  faz parte do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN e possui em sua estrutura: o Museu de Folclore Edison Carneiro e a Biblioteca Amadeu Amaral, além dos setores de Pesquisa e Difusão Cultural. Vamos conhecer um pouco dessas duas instituições?

 

O Museu de Folclore Edison Carneiro

 

Inaugurado em 1968, como Museu do Folclore, tem seu nome alterado em 1976 para Museu do

Domínio Público / Acervo Arquivo Nacional
Disponível em Wikimedia Commons

Folclore Edison Carneiro, em homenagem ao etnólogo e folclorista que foi diretor do CNFCP de 1961 a 1964 e teve papel fundamental na criação do Museu e da Biblioteca Amadeu Amaral.

O Museu hoje conta com 17 mil objetos, muitos deles em reserva técnica, que pode ser consultada para pesquisa por meio de agendamento, e outra parte que pode ser vista em exposições temporárias (Galeria Mestre Vitalino) e na exposição de longa duração "O Objetos e suas narrativas". E a boa notícia é que esta exposição pode ser visitada virtualmente, por meio do link: http://museudefolclore.cnfcp.gov.br/. Não deixe de conferir!

 

A Biblioteca Amadeu Amaral

 

Inaugurada em 1961, durante a gestão de Edison Carneiro, a Biblioteca conta hoje com acervos bibliográfico, sonoro-visual e arquivístico, num total de mais de 200 mil documentos e é considerada uma das maiores da América Latina nessa área. Entre as obras disponíveis estão folhetos de cordel, revistas, periódicos, livros, recortes de jornal, fotografias, vídeos e filmes, recursos sonoros, entre outros.

E o melhor de tudo é que parte desses acervos está disponível para todo o público digitalmente!

Os acervos digitais incluem: Cordelteca, Hemeroteca, fascículos da Revista Brasileira de Folclore, Xiloteca, Catálogos da Sala do Artista Popular, entre outros materiais.

 

Folclore e educação - estudar e conhecer o folclore para além dos "fatos típicos"

 

Como procuramos mostrar no início deste texto, o conceito de folclore é construído historicamente e se modifica ao longo do tempo, assim como a sociedade, seus hábitos e valores também passam por transformações. Se antes, no início dos estudos sobre o folclore havia a preocupação em coletar narrativas, em registrar manifestações para preservar o "tradicional" da extinção e do esquecimento, hoje a perspectiva dos estudos de folclore considera importante analisar os contextos e os significados dessas manifestações culturais. Nas palavras de Lucia Yunes, coordenadora técnica do CNFCP,

 

"Trabalhar o conceito de folclore em uma visão contemporânea significa estudar as manifestações de forma contextualizada, em que a preocupação não seja mais saber o traje típico ou a comida da região, mas qual o significado da roupa da festa, ou por que, naquela festa, a comida é especial, ou quem são as pessoas que festejam, como é a vida delas fora dali, como é o cotidiano de cada um, etc. São questões que pontuam o trabalho do Museu e que queremos partilhar com a escola no sentido de restaurar, nos estudos de folclore, não a eventualidade, mas o homem e sua relação com a vida e as coisas que constrói e cria: sua cultura."

YUNES, Lucia. O museu e a escola. In: CENTRO NACIONAL DE FOLCLORE E CULTURA POPULAR. (Brasil) Setor de Difusão Cultura. Organização de Lucia Yunes, Lucila Silva Telles e Anamaria Cretton. Professor. Rio de Janeiro: IPHAN, CNFCP, 2013. p. 20

 

Desse modo, o folclore envolve, sim, manifestações tradicionais, mas que estão vivas e em constante transformação, como a sociedade que as produz. E, mais do que conhecê-las, importa refletir sobre os saberes, as crenças, os valores e as relações sociais nelas envolvidos. Importa lembrar que o folclore não se manifesta apenas em tradições distantes de nós, mas no nosso cotidiano, em nossa fé e religiosidade, em nossos ritos de passagem, em nossa forma de ser e de viver e de interagir com as pessoas e a natureza.

É essa a perspectiva do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, que desenvolve projetos educativos itinerantes buscando ampliar as discussões sobre os conceitos de folclore e cultura popular e as formas de abordá-lo no contexto escolar. Os três projetos, que emprestam parte do acervo do museu às escolas por cerca de 40 dias, são:

 

Olhando em volta: nesse projeto, a escola recebe objetos e materiais (como fichas tombo, pincéis e flanelas para higienização, vitrinas e painéis, textos de apoio) para que os alunos montem uma pequena exposição, que será depois divulgada e visitada por outras turmas, escolas, parentes, etc. Desse modo, os estudantes podem aprender e refletir sobre os bastidores de um museu, sobre os objetos e os temas de que tratam: arte, festas ou trabalho.

 

De mala e  cuia: é um projeto que disponibiliza materiais para pesquisa dentro de temáticas relacionadas ao folclore, incluindo temas nem sempre focalizados nas pesquisas escolares, como os ritos de passagem. O projeto propõe a aprendizagem desses temas pela pesquisa de seus contextos e, para isso fornece materiais como livros, revistas, recortes de jornais, catálogos, folhetos de cordel, gravações sonoras e em vídeo para que os estudantes possam se aprofundar no tema em questão.

 

Fazendo fita: é o projeto mais recente do museu e propõe tratar da cultura popular a partir da música. Para tanto, oferece recursos em áudio e vídeo, com composições musicais selecionadas a partir de temáticas da cultura popular, como fé, festividades, tecnologias tradicionais, ritos de passagem, entre outros.


Para saber mais


Como vimos ao longo deste texto, o folclore é um campo de estudos muito rico e se manifesta em diferentes expressões de nossa cultura, não apenas nas lendas, mas também nas festividades, na fé e na religiosidade, no uso de tecnologias tradicionais, como a tecelagem e o artesanato em barro, na música, nos ritos de passagem... Não é por acaso que ele despertou e continua a despertar o interesse de tantos estudiosos.

Se você também ficou interessado em conhecer mais sobre esse assunto, recomendamos aqui algumas fontes muito interessantes:


  • CENTRO NACIONAL DE FOLCLORE E CULTURA POPULAR. (Brasil) Setor de Difusão Cultura. Organização de Lucia Yunes, Lucila Silva Telles e Anamaria Cretton. Professor. Rio de Janeiro: IPHAN, CNFCP, 2013.


Publicação elaborada especialmente pelo CNFCP para os educadores. Nela você pode conhecer melhor essa importante instituição, além de encontrar artigos sobre folclore, cultura popular, educação e patrimônio cultural. Para acessar o pdf, clique aqui.


  • Capa do livro Cultura Popular e Educação
    SILVA, René Marc da Costa (Org.) Cultura Popular e Educação. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação a Distância, 2008. (Salto para o Futuro)


Livro que reúne textos sobre cultura popular, memória, identidade e patrimônio, festividades e literatura elaborados para a série do programa Salto para o Futuro e que está disponível no acervo da Biblioteca do Futuro Angelina Dagnone de Melo. 


  • Cultura Popular e Educação - O que é, o que é: folclore e cultura popular


Programa da série Salto para o Futuro, exibido em 24 de março de 2013 no canal TV Escola, que apresenta um debate sobre o tema entre especialistas da área. 


E aí, gostou desse conteúdo? Tem alguma correção ou sugestão para fazer? Então não deixe de comentar aqui para nós! E fique de olho, em breve teremos novos artigos sobre o assunto para você!

Por Natália C. Lorevice, estagiária do SIBISC

Referencias:


CENTRO NACIONAL DE FOLCLORE E CULTURA POPULAR. (Brasil) Setor de Difusão Cultura. Organização de Lucia Yunes, Lucila Silva Telles e Anamaria Cretton. Professor. Rio de Janeiro: IPHAN, CNFCP, 2013. Disponível em: http://www.cnfcp.gov.br/arquivos/file/Publica%C3%A7%C3%A3o%20para%20Educadores.pdf. Acesso em: 04 ago 2020.

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